quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

sem a morte saudade seria só para amadores

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Mameluco a ler Camus

diante da ferrugem
de impossível sorte
ser ferido ruge
não encontra o norte
nem bravo nem forte
dá à carne túrgida
da lâmina o corte

domingo, 20 de dezembro de 2009

Ontem é sempre bom.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Deus é épico!

domingo, 6 de dezembro de 2009

novembro de 2007

RAÇA AMOR & PAIXÃO‏


Entre bocejos o campeonato se arrastava como um filme de Abbas Kiarostami. O Sampaulo punha em evidência uma tediosa proposta búlgara; os demais nem proposta tinham, ou por outra: houvesse alguma era igualar o futebol à atual literatura brasileira. E eis que surgem os rubronegros feito cristãos primevos de imemoriais cavernas da paixão a repetir com o corisco de um dos melhores filmes já realizados, "mais fortes são os poderes do povo". Erguem-se e o time frágil erguem-no, conferindo-lhe força, fúria e ao campeonato o adequado tom épico. O Maracanã foi tingido de vermelho-e-preto e o time coberto com o inexpugnável manto. Sob a égide da torcida o time desaprendeu de perder - jogo após jogo a empurrar o time pra frente, fazendo-o levitar em ondas sonoras, canções baratas, rimas paupérrimas, emoção sem paralelo, paixão sem medida; jogo após jogo, recorde de público um após o outro, o time a avançar no campo e na tabela: furou a retranca búlgaro-sampaulina e deu lesa no tricolor gaúcho, passou com 9 jogadores por cima do tricolor vizinho e com 10 virou em cima do vizinho suburbano, fez dobradinha com os 2 de Minas e picadinho de outros. No domingo passado o Ibson insistia em passar a bola pro Juan e o Juan insistia em jogar a bola na área - o que justificava a italiana do meu lado dar as costas pro jogo e acompanhar (olhão e riso arregalados) a festa que a envolvia. Quando completou a lúdica linha de passe a cabeçada do Souza jogou nos meus braços a italiana (pele com gosto de queijo de Parma) e o negão ali do lado resolveu erguer todo mundo ao seu redor num raio de 4 metros. A italiana, ainda nos meus braços, deliciosa feito um molho da Bologna, repetia Gonçalves Dias. Lambi outra vez a italiana e tentando aterrizar dei cotovelada no fígado do negão. A essa altura tanto a italiana ("ho visto! ho visto!") quanto o negão (o "tu és" talvez lhe tenha deslocado de forma irremiediável o maxilar) já eram parte do coro magnífico de 90 mil vozes. O que houve depois é matéria da qual são feitos os sonhos e toda palavra, adorno desnecessário.

domingo, 29 de novembro de 2009

porquê é luxo

sábado, 28 de novembro de 2009

saudade é artigo de luxo português

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

dançar é dar à alma a leveza do corpo

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O Outro

Encontro o ex-Senador da República. Elegante nas grifes, uma ruína no corpo. Estende a mão, discreto e afável “ao ponto”. Anos de treinamento. Pergunta pelo jesuíta, “você sempre gostou de conversar com ele. Não se interessa mais pela metafísica?” Um malabarista de palavras: convivendo com os melhores adjetivos, quase alencariano, uma série contundente de críticas ao governo. Viro o rosto pro outro lado a fim de evitar vê-lo afogar três colheres de açúcar na mínima xícara de café. Por sua vez, ele volta o rosto abruptamente, o olhar voraz uma súbita zoom viscontiana seguindo o trote do adolescente na calçada em frente. Não interrompe o discurso. Décadas de experiência. Sabe que foi notado. Malicioso, sustenta firme o olhar ao encarar-me, um sorriso de quem entende, em no mínimo meiadúzia de sentidos. Minha vez de estender a mão, a dele um naco da untuosa carne de quem não tem um único músculo no corpo, involuntário que fosse. Até nunca, nenhum sorriso a ser entendido.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Um d'Eles

O ex-padre aquele o encontro nas termas. Charuto e roupão. Irrompe efusivo. Pergunta pelo ex-senador (UDN, ARENA, MDB, ontem quadro do PSDB, hoje a família deputada pelo PT) e ele mesmo responde: frequenta outra sauna. De garotos? não pergunto. Cita Sto. Tomás de Aquino. Talvez ainda não tenha sido “atendido”. Touché! desaparece. Na saída, charuto e camisa de seda estampada, se aproxima amplo e íntimo, como gosta, como abomino. E solta o verbo. Pouco falo, muita fala. Me calo. Teve ganas de matar os que amara por antecipar-lhes o sofrimento. Comove-se e, Deus do Céu!, me abraça. Só vê a si próprio. Totalitário, em tudo se mete – como agora, entre meus pensamentos e eu. Midas cancerígeno que transforma tudo que toca. Pergunta aonde vou, respondo que em outra direção. Como num filme de Buñuel, ele arma fração de sorriso e apalpa alguma coisa (a foto da Luana? um 22?) no bolso da calça. Me diz, vai com Deus – como se fosse dele.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Os Homi

Dois senhores conversam na varanda do restaurante, mosaicos, mármores, cerâmicas emolduram volumosos ventres. Fico à distância e tal ângulo capazes de fazer-me reconhecê-los: o ex-padre e o ex-senador da república; este, esplêndida gravata conti, pura seda, traço e motivos de firenze, muitas cores, todas domadas; aquele, majestoso puro cubano, ímpio incenso a emergir de tão profusa fumaça. Conversam sobre as mazelas a um tempo do país e da alma. O padre cita com cuidado cronológico Aristóteles, Maquiavel e Karl Schmidt. O senador move-se lentamente na cadeira e espreme contra a almofada um peido grave. Antes de nova citação do padre, que virá, (Bergson!), o senador acomoda na garganta a dose de milho fermentado. Em volta, é tudo aroma.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

o fim de tarde no outono é uma reverência que o rio presta a cézanne

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Nietzsche e Freud são, a meu ver, as influências primárias sobre a "teoria das influências" exposta neste volume. Nietzsche é o profeta do antitético, e sua Genealogia da Moral é o mais profundo estudo conhecido por mim sobre as tensões revisionárias e ascéticas do temperamento estético. Freud reconhecia na sublimação a mais alta realização do espírito humano, reconhecimento este que o alia a Platão e a todas as tradições da moralidade judaica e cristã.

Harold Bloom, A Angústia da Influência

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O casamento tem como correlativo imediato a prostituição. Simone de Beauvoir, em O Segundo Sexo.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

nó, nós

a fêmea, por penetrada
terra sitiada
por menos que mexa ou meça
estanca
mais fácil perder a cabeça


o macho, golpe e galope
é capacho
por mais que mexa ou peça
concentra
não alcança outra órbita

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

a m a n h e c e n d o

o cenário caro
lento se desfaz
inda resta raro
um halo de azul
enquanto o sol ralo
espreguiça e estica
até mim em ouro
sua língua loura
e lambido eu oro

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

TANTO PAPO ATÉ QUE FURA

- Quem busca a si mesmo, em verdade busca o amor.
- Diz isso em português.
- A possibilidade de estar no mundo com os outros.
- Sei. Derme + consciência é o 1º membro da equação.
- É destino
- Não há destino. Há escolhas.
- Me acende um cigarro?
- Não ainda. Ação confere caráter.
- Hum...

sábado, 31 de outubro de 2009

YES, WE HAVE BANANAS

Longe, vagos vagidos de buçanha. Eu, feito em Gramacho, fico a catar palavras no lixo. A paisagem imóvel como a frígida. O tempo não passa, o calor não passa. Urubus a repetir o suor! o suor! Diante da impossível domesticação do sol a idéia obésa e, flácida, flatua. Nos trópicos só Deus é discreto e elegante.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Rendo a memória. Soldadinho de chumbo flechado no pátio do Forte Apache. Ginevra de Benci presente feito a chuva. Daisy baila na pontinha do pé a me azucrinar, quase alada, os caiaques sem retorno. Cathy me atira em brasa no Atlântico, cru que nem iguaria de tamoio. Ema me encara: o rancor nos olhos de Ema. Caço pistas. Se me for chamar, chame Doghouse Reilly. Carne é comburente. Às vezes aspersão, outras tempestade de verão. Azucrinado, me ponho a criar sapos em mimetismo de serpente. Se moral há, série de flexões é.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

ALFAIATE DE TARZAN

Desde o 2º império, ainda que não floresça, o Rio amanhece cantando. 3 sólidas pilastras de sustentação: ali no meio, Manuel Antônio de Almeida; mais pro fim, Machado e Pompéia. O príncipe, D. Pedro III, coroado qual Paulo Autran, desce ao terreiro a fim da navalha e do passe. A roça se eriça. A tradução de 4 anos é Copa do Mundo. Se não a consciência, ao menos o tato dos próprios limites. Sob a égide da maior dupla caipira peço de pé a saideira, entre mulatas e louras do chã.

sábado, 24 de outubro de 2009

Tijuca Santaclara Estácio

Tempo é questão de talento. Às vezes, basta método. Ou ida até a primeira das quatro estações do metrô. O trem cheio de vagões, ontem, hoje e amanhã, antes e depois, sempre e nunca, mas tudo um ruído só. E passa. Talvez. Questão de método, ou talento.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Sobre Laços e Cultos

O que tem vida escorre. Pago a ela para ver a cicatriz. Casa de paixões banais. Oxímoro, nenhuma paixão é banal. Traço círculo e assimétricos geometrismos nele inscritos. A manhã em brasa. Cabe apenas atear fogo à barroca paisagem que os olhos dissimulam. Fetiches no quaradouro. Barba, cabelo, bigode. Quéops, Quéfren, Miquerinos. Antígona, Édipo, Electra. Jus civile, Jus gentium, Jus naturale. Líberté, Igualité, Fraternité. Groucho, Harpo, Chico. Três notas depois, ao sol, o dia de tododia se refaz no mesmo passo contido onde se brinda a rotina.

sábado, 17 de outubro de 2009


Fui acho que com o Aldyr pegar tatuí pra atirar nas pessoas gordas. Elas ficavam de barrigão pra cima debaixo das barracas. A gente passava e mirava uns passos adiante. Geralmente acertava no umbigo. Mais que de susto os berros acho que de dor. A garota veio da Atlântica em nossa direção na areia. O sorriso dela era de quem sabia. Nunca mais deu pra esquecer. Era Beth. Faro só tem tatuí e gente gorda. Algumas Isabel. Uma Elizabeth, mas com buço. Descendo descendo as escadinhas na altura do Forte, falsa magra que não passa que não passa.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

VIAGEM

Fazer mala, atividade difícil, mais do que, por exemplo, entender a 2ª lei da Termodinâmica, muito mais, ou o Princípio da Incerteza, de Heisenberg, nem se compara, beira à impossibilidade, só xingando. Essencial em toda viagem boto os Flamengo Sketches, All Blues e So What, com o sexteto de Miles Davis; do lado enfio sem pestanejar Misty e Willow Weep for Me, com o quarteto de Wes Montgomery; de um só golpe empurro Joy Spring, com o quinteto Clifford Brown-Max Roach e a trinca Doxy, Oleo, Airegin, com o quinteto de Sonny Rollins; deixa ver, A Love Supreme, com o quarteto de Trane, claro, pode haver noites densas, melhor tacar lá também Pithecanthropus Erectus, com o quinteto de Mingus; para caso de acidentes aperto num canto Take Five, com o quarteto Brubeck-Desmond; por cima, bem à mão, o trio de Bill Evans, Very Early, ufa! bem cedinho, que viajar é preciso.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

SOLSTÍCIO

Sentir-se covarde como Tersites. O que cabe é ir ao mar, onde o homem nada e o tolo se afoga. Se amor não é, qual este sentimento? Vida, noves fora, é livro mal lido, mulher mal amada, cidade mal visitada. Nadar até as Cagarras, sem tomar atalhos de Mársias. O mundo é tua arte, nada.

sábado, 10 de outubro de 2009

A ORELHA DE VAN GOGH

O que ele sabia era sua coleção de selos. O que ele sabia ele falava. E falava sobre qualquer assunto. Mas falava pouco. Se o assunto era política, falava uma frase de efeito de Noam Chomsky. Sobre Bush, ou sobre Obama, não importava. O importante era o efeito da frase. Futebol? Ainda era o ópio do povo. Povo? A frase de Max Weber ainda era imbatível. Às vezes trocava nomes. Dizia Henri Rousseau. Depois ficava repetindo baixinho, para si, Henri... Henri... Devagar repetia várias vezes a frase e, como coda, o autor, Henri, Henri... Até lembrar-se. E admitir, para si, que a memória já não era a mesma.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009


Bandeira que me inspira e alastra: beijo pouco, o falo basta. Absorvo, feito mingau, o ódio ao intelectual - comerciante profissional de idéias de 2ª mão. Acendo vela a Hayek como Antoine Doinel a Balzac. Anoto mentalmente, o poeta finge e mente. Saio de dentro da ruiva, do quarto, não deixo gosto, nem cheiro, só pouco de dinheiro. O dia penetra no outro, obsceno, desnecessário. No café duas damas tagarelam. Passantes passam, bacantes bacam. Refaço na memória o plano de matar o presidente: mas que livros trocar pelas garrafas de cana?

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Vênus, Eros, Afrodite

- Cacau, bota a perna ali em cima
- Lê, em cima de quê, da outra?
- Que outra, o ménage não é à truá?
- Shica, se concentra se não a coisa degringola
- Então é melhor tirar esse papagaio de cima do ganso
- Deixa o papagaio, é preciso alguém pra narrar e a gente entender o que tá acontecendo
- De quem é esse umbigo?
- Manda pra seção de achados e perdidos e se concentra, meu bem
- Se eu ficar mais um segundo nessa posição, vou ter cãimbras
- Tem de ficar assim, se não como eu vou pincelar?
- Pensa nas modelos de pintor, tudo pela arte!
- Só quero ver onde isso tudo vai dar
- Ai, ele vem chegando... Alguém deixou a porta aberta?
- Isso aqui é um fígado?
- Como é que se arfa, é assim?
- Acelera o ritmo, mas contrai
- Quem tá tocando o sininho?
- Nossa! NOSSA! N O S S A!!!
- Assim...
- Como assim, Lê?
- Quem falar agora, vai ficar de voyeur!
- Uhmmmm! Aaaaaiiiiii! Uuuuuiiiiiii!
- Acho que é o vizinho de cima
- Eu não sou, eu tô no meio
- Deve ser o pessoal da ambulância chegando
- Agora ele vem! Tô ouvindo os passos, cada vez mais forte
- Senhorita, dá pra passar a manteiga?
- Putitanga!
- Esse barulho não foi o que vocês tão pensando
- Sim, sim, sim
- Em cima do dicionário do Houaiss, não!
- Acho que é convulsão
- Segura ela!
- Meu Deus! Nossa Senhora!
- Aí, podia?
- É o amoooooor, que mexe com a tua cabeça e me deixa asssssim...
- Tirem o pé da poça, anda! Vamo fazer assim, agora:

sábado, 3 de outubro de 2009

A brisa de nada que os cariocas chamamos frio me traz o mapa. Atravesso, salto triplo, a São Clemente em frente à casa do Rui. Dobro à esquerda, XIX de fevereiro, o cheiro de pão fresco embriaga. Passo pro outro lado e dobro à direita em plena Guerra do Paraguai. Quase morro atropelado ao atravessar a Guilhermina Guinle. Sobrevivo, o suor a realçar cheiros. Dona Mariana, Eveline, Matarrari, o cemitério na perpendicular distante. O Cristo aos pouquinhos ficando grande, a cada passo. Real Grandeza num pique. A cócega no bolso é a jogada ensaiada de sinuca, ali adiante, quando chegar o Pedro II.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O ronco distante do trovão é anúncio de que o verão vai ser à vera. Saio do café na Ouvidor e desço até a Rio Branco. Desce do táxi e, a minha frente, gingando como se dançasse, feito Jeanne Moreau deu a dica, a ruiva e seu – tive de contar, uma, duas, para ter certeza – par de coxas fazem o tempo dar uma parada, como queria aquela personagem do bardo da Avon. A única dúvida: vai entrar na Buenos Aires 44 ou na Rosário 65? Sigo o seu gingado que nem um lateral o do Mané. Ela entra, o drible fatal: aprendo o caminho do gol. Pego o atalho da Quitanda, me acenam de dentro do boteco. Sede é hábito e hábito se cura com caipirinha. Menos que cidade, o Rio é uma hipótese.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

AAAAAAAATCHHHHIIIIMMMMMMM!!!

Atchim! Me sinto anãozinho de Branca de Neve. Nunca consigo lembrar o nome dos sete. Tem o gripado ali, o zangado, o mestre, o feliz, tem o Dunga, o Romário, sempre falta um. Sete as maravilhas do mundo, as notas musicais. Tom, grandiloquente, depois do sambinha de uma só, abusa três notas na abertura das águas de março, mi-mi-mi, ré, dó-dó. Vou, no máximo, de a barquinha ligeirinha voga voga sem parar. Se bem que manjo direitinho Rita Hayworth catando as notas nos musicais da Columbia. O caso com a crooner daquela boate no Leme conta? Do meu canto, vou contando espirros: ATCHIM! Dó sustenido. Uma vez, ontem se bem me lembro, ergui-me na madrugada do anti-higiênico e lúcido estado de gripe e, heróico, adentrei o dia, o sol, diante do magnífico melodrama de Hitchcock, em que Bernard Herrmann grita o tempo todo para chamar a atenção que não lhe cabe: o homem errado sou eu! sou eu! Onde é que tem um lenço nesta casa?

sábado, 26 de setembro de 2009

À beira bar

O sol arde urgente como o desejo. Peço, “ô moreno, mais meiahora de chope”. Charles, o mais velho dos quatro, olha em torno e entorna - um arroto a saudar a crioula que passa. Aimer à loisir, aimer et mourir au pays que te ressemble. Paul, o único de nós com barba, deixa a mão esquerda pousar (ah, ces instants sereins) nas coxas de Arthur, o mais jovem. Um só gole ao matar o chope. Faz gesto de mais um ao garçom ao mesmo tempo que, sutil, faz um sonoro peido. Le son des tambourins. Quando a mão de Paul chega ao seu destino, Arthur engole o chope e lambe os beiços. Ergue-se abruptamente e ali mesmo na calçada grita aos deuses da manhã. Je pisse vers les cieux bruns, très haut et très loin. Eu rio.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009


No meio do povo que vota e é votado. Feito ripa no coração de Drácula. Não é a maldição de um nome que pesa sobre Tebas. Ouvidor, Rosário, Beco dos Barbeiros, Matacavalos. Sair de Corinto não basta. O cavalo assusta e empina. Os olhos fixos e calmos de Hipponus tudo acompanha. Nada lhe é estranho. Não ao policial, que multa o carroceiro. Lembrar de dizer a ela que fica muito bem de preto. Ganho de presente um Jackie Bayard, com lembrete: é jovem guarda. Ok, ok, lábaro que ostenta, estrelado, a manchete: ordem no caos. Não chove. Crianças vendem amendoim, balas, os irmãos menores. Abraço de garçom tem 10 por cento? Ligar pra ela depois da 4ª caipirinha. A noite cai, que algo tem de cair. Elas passam, buscam olhares como o darwinista o galho mais alto. A caipirinha revela o peso leve do mundo. Urge rugir.

domingo, 20 de setembro de 2009


Entrei na Mariana e deixei a São Clemente pra trás, Anamaria na biblioteca da casa do Rui. Peguei, na casa do Rui, o peixe colorido num corregozinho de nada e engoli. Contei a memória de infância pra Anamaria, que teve o nojo retrospectivo. Na altura da casa dos Mello e Franco, a presença suave de Anamaria. Não virei, não parei. Se esforçou pra acompanhar o passo. Antes de entrar na Voluntários eu disse daqui vou sozinho. Senti que ela sentiu o gosto colorido do peixe. Dessa vez pior que o nojo.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009


Quanto da dor é linguagem? Respostas e perguntas de circunstância valem o que o cachorro deixa no poste. A maior loucura que se pode fazer com uma mulher é casar com ela. Não, não se atende celular em público. Sair do boteco quando se acha que ainda cai bem, muito bem outra dose. Lá fora é sempre outono - menos para Baudelaire do que para Vernon Duke é o prêmio. Porteiros devem ser impessoais, menos no Rio. Na portaria do hotel, entre perplexo e curioso:
- O Sr. vai ficar sozinho?
- Há certas coisas que só faço sozinho.

domingo, 13 de setembro de 2009

HERÁCLITO FLAMBÉE

fogo é permanência
queimou, fogo não é
fogo é estar queimando
eterno presente
não é imaginação nem memória
fogo é agora
fogo é chama
cinza é depois, fogo foi
estar vivo é queimar
estar em fogo
fogo chama
é risco, arde, inflama
não pousa nem repousa:
toma!

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O dia começa às seis. Às seis, dizia Júlio Carlos, fartam as belas. A boutade me disse no Leme. Hoje longe como tudo. Na saída da Alliance: às seis fartam as belas. O Professor Durval nunca entendeu Duvivier afora o blablablá em que o envolvíamos. Sartre ao escrever, escrever, escrever sobre Flaubert queria matar a palavra. Júlio Carlos queria matar o Professor Durval. No início da Gustavo Sampaio deixei um entregue ao outro. Cláudia, minutos depois, perguntava se eu tinha ouvido os tiros. O verde dos olhos de Cláudia nunca me permitiram ouvir nada. Um verde definitivamente contrário a sinestesias. Soube mais tarde pelos jornais. Agora são seis no Leme. Vejo as horas como quem lembra. E, de um jeito que não ouso entender, ouço os tiros. Seis.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009


A manhã se abre feito a amante e de um gole tu a tomas.
Ontem não parou, acelerou, avançou o sinal e agora o sol
te lambe q nem animal onírico. O mar no teu pé, na tua
mão o coco, na tua língua o melhor gosto. A receita
recitas de cor. O mergulho: primeiro no mar, teu mais antigo amigo; depois e depois e depois e depois na amante, tua mais recente convicção de transcendência.

domingo, 30 de agosto de 2009

MEU IAIÁ, MEU IOIÔ

Sexo é padecimento. Sofre-se ereção, ereções. Ereção é uma doença consumptiva. Sófocles aos oitenta agradece aos deuses a libertação enfim do encargo. Sexo é a carne liberta da razão, febre delirante, paixão, esta gloriosa doença. Cláudia nas areias do Leme, Liliane numa escada em Botafogo, Joana num táxi a caminho do cinema, Tereza no terraço, Solange na Praça General Osório enquanto a noite e a calcinha caiam ao som bêbado da banda de Ipanema. O moreno de Estela, as sardas de Adalgisa. Adolescência é seiva, festa à qual Tânatos não é convidado, mas repara: Tânatos é ótimo penetra, Romeu na festa de Julieta. A boutade de Benjamin Jowett menos que conselho a adolescentes devesse ser lema e leme. Never apologise, never explain. Nada de desculpa, nem de explicação. Sabor, cheiro, contato, corpo é matéria objetiva, linhas, formas, volume, voz, sons. Sexo é êxtase e estase, sair de si, perder a cabeça. O bardo da Avon diz pela boca de Frei Lourenço que young men’s love then lies not truly in their hearts, but in their eyes. Sexo é sempre jovem. Última trilha do instinto. As coxas e o entrecoxas, o lombo em brasa, os hirtos contornos. Sexo é hino, perfilar-se é preciso. Toda mulher é vedete, todo homem um anjo torto.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009


Muita gente nasceu em 63. Nascer parece tão rápido. Leva-se uma porrada na bunda e ouve-se: next! O taxímetro começa a rodar. Jango vira presidente, depois é que viraria lenda do que não foi. Pamplona explica pro Salgueiro pro Salgueiro explicar Xica da Silva pra classe média. Uns caras chatos, cabelinho de indiozinho da tv tupi, ficam pedindo e repetindo por favor, por favor, como se num sinal de trânsito. Uns morreram em 63. O Kennedy, por exemplo. Ali, do ladinho da Jackie, mas a cabeça em outro lugar. O bom foi o canal 2. Mas melhor ainda foi Ieda Maria Vargas. Ficar repetindo Ieda Maria Vargas, Ieda Maria Vargas e esperar pela revelação. O mais importante, aprender geografia. Seguindo aqui vem a Urca, a casa da Joana; atravessando o túnel, logo logo o Leme e a casa da Cláudia; o túnel do outro lado vai dar na casa da Angélica, quase Ipanema. Teve Papa. Teve Fellini reinventando o cinema. No fim do ano o Flamengo foi campeão. Bem no finzinho, acho que teve prorrogação. O que vale sempre tem.

domingo, 23 de agosto de 2009

Proust, Marcel saltava pocinhas e exausto, talvez, deu (sempre! sempre!) para escrever – e o fez com a desenvoltura e a elegância de quem saltasse pocinhas olímpicas. Criou um questionário de moças para circular por entre os amigos (de todos os sexos: àquela época, acho que cinco), acreditando cobrir lacunas de conhecimento que a simples conversação não alcançava. Eis o questionário, e com ele respostas minhas; alguém aí pega carona?


a) o cúmulo da miséria? a miséria é o cúmulo
b) onde gostaria de viver? o essencial e´ que haja musica
c) ideal de felicidade? o conceito de felicidade, em geral, é medíocre; o mínimo que se pode fazer é escapar dele
d) defeitos que merecem indulgência? defeitos merecem indulgência
e) heróis de romance? algumas noites no boteco com a galera de Point Counter Point
f) personagem histórico? JC
g) herói da vida real? Machado, Gláuber
h) pintor? Cézanne
i) músico? Bach
j) qualidade que mais admira no homem? a virilidade
k) qualidade que mais admira na mulher? a feminilidade
l) ocupação predileta? sexo, vícios cultivados e o labor
m) o que gostaria de ser? vir a ser é que é o xis da questão
n) principal traço de caráter? ter um já está de bom tamanho
o) o que mais aprecia nos amigos? o fato de serem, de fato, meus amigos
p) principal defeito? todos os meus defeitos são principais e merecem cuidado
q) sonho de felicidade na terra? a paixão
r) maior desgraça? o medo
s) cor? azul
t) flor? uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa
u) pássaro? o vôo da águia, o mergulho da gaivota, o canto da sabiá
v) autores em prosa? os 5 últimos Machado
w) poeta? Castro Alves
x) o que mais detesta? o rancor
y) fato militar admirável? eu não ter servido às Forças Armadas
z) como gostaria de morrer? dentre as minhas pretensões não está a de querer ser Deus
z’) lema? repito com as francesas: joie de vivre!

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

blá blá blá


A palavra feito linha em Cézanne, que súbito torna-se volume. Como o alquimista hamburguês, no meio dos dezessete, em busca de ouro, meio por acidente – mas sabedor de que quem desloca, recebe – encontrasse o fósforo, menos nobre sem dúvida, no entanto tão útil. E quem a usa como se trouxesse o número oito às costas e chamasse para si a responsabilidade de mudar o resultado do jogo, lançasse, marcasse, fizesse – unhas, tripas, coração – o gol. Palavra é osso, duro de roer, a ser devorado, degustado a um só tempo com requinte de gourmet e voracidade de canibal. Aquém do humano constituído, e muito além.

domingo, 16 de agosto de 2009

Ok, quando se fala em jazz, ainda que entre tapas e beijos ao teu redor o pessoal comece a batucar um pagodinho, o primeiro nome que surge é o de Louis Armstrong - embora não tenha havido temperamento mais criativo que o de Charlie Parker.
Sua música durou, se tanto, uma década. Sobreviveu aqui em casa, onde reina absoluta.Se falo em jazz, bum-bum-baticumbum-ziriguidum, fala-se logo em Louis Armstrong - e Dizzy Gillespie foi seu óbvio herdeiro, tanto em destreza instrumental quanto em espírito de animador. Charlie Parker e Dizzy Gillespie formaram a dupla ideal, os Leandro e Leonardo do Olimpo musical. Aqui ambos eternizam Hot House, a paráfrase que o pianista Tadd Dameron fez de What Is This Thing Called Love?, de Cole Porter.
Sejam benvindos, febrilmente, a casa.