quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O Outro

Encontro o ex-Senador da República. Elegante nas grifes, uma ruína no corpo. Estende a mão, discreto e afável “ao ponto”. Anos de treinamento. Pergunta pelo jesuíta, “você sempre gostou de conversar com ele. Não se interessa mais pela metafísica?” Um malabarista de palavras: convivendo com os melhores adjetivos, quase alencariano, uma série contundente de críticas ao governo. Viro o rosto pro outro lado a fim de evitar vê-lo afogar três colheres de açúcar na mínima xícara de café. Por sua vez, ele volta o rosto abruptamente, o olhar voraz uma súbita zoom viscontiana seguindo o trote do adolescente na calçada em frente. Não interrompe o discurso. Décadas de experiência. Sabe que foi notado. Malicioso, sustenta firme o olhar ao encarar-me, um sorriso de quem entende, em no mínimo meiadúzia de sentidos. Minha vez de estender a mão, a dele um naco da untuosa carne de quem não tem um único músculo no corpo, involuntário que fosse. Até nunca, nenhum sorriso a ser entendido.

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