terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Olá.

A página em branco é impasse e compulsão. Risco nenhum, nem angústia. Nasci em Botafogo, um espetáculo diário entrevisto de duas janelas: de meu quarto, o sol experimentando reflexos e tons impressionistas nas águas da baia de Guanabara, o Pão de Açúcar a um tempo ao fundo e no centro; da sala, a pele diáfana do dia se desfazendo sobre o morro do Corcovado, o Cristo imponente oferecendo seu perfil. Minhas avós ensinaram muito: a materna, portuguesa, que a vida é luta e prazer diários; a paterna, carioca, o profundo gosto de ouvir e contar histórias – e esta que conto é fruto inequívoco. Os avôs: o paterno, carioca, trocou minha avó por Paris, mas voltou e mesmo à distância me mostrou que devemos interferir no processo – ao menos intensamente tentar; o materno, português, as delícias da mesa e, sobretudo, do vinho. Com ele aprendi a lição essencial sobre o vinho (e a única que de fato é necessário saber): vinho é tinto, ponto. Dos pais, ambos cariocas, o que de imediato me vem à memória do que a mim mais impressiona em cada um, ele: a dignidade, ela: a emoção. Estou na idade da razão, ou devia estar. Se é bom aqui estar, não sei. Lugares bons de estar: a biblioteca, onde aprendi o que de mais importante sei; o bar, onde algumas tardes me pareceram ideais; na companhia da mulher desejada, onde o novo se renova pelo milagre da paixão. A paixão é o elemento essencial da fé, a figura mítica que se busca, o experimento que torna luz qualquer treva e de sombras faz trilhas. A bebida preferida: o primeiro copo de cerveja no pleno calor; a dose de Porto nos fins de tarde do outono; se a temperatura cai um pouco, a caipirinha é insubstituível; antes de sair para a festa, a dose pura do uísque; algumas manhãs preguiçosas inspiram um gin-tônica à beira do papo ou da piscina; insubstituível também o corpo denso do bourbon em noites também densas; e o café, óbvio, muito café, fresco, forte, sugarless sempre. O trabalho é mais que ofício, é bom vício. Adoro saladas, frutas, verduras, legumes, seus frescor e sabor. E carnes, massas. Música: diariamente jazz e bossa-nova; algumas noites Bach, Mozart, Beethoven, Wagner. As quatro pilastras em que me apoio. A maior música ocidental são os seis concertos de Brandenburgo, de Bach. Não discuto, eu sei. Ouço música o tempo todo, mesmo quando não posso: toco-a de memória. Da bossa-nova, o e-nor-me Tom Jobim, na voz e no violão de João Gilberto, no piano de Sérgio Mendes, João Donato, arranjos de Eumir Deodato, a sublime voz de Elis, nomes, nomes... Do jazz, o piano de Bill Evans, o sax-tenor de Lester Young, o violão de Wes Montgomery, a voz de Billie Holiday, nomes, nomes; meu disco de cabeceira é Kind of Blue, sexteto com Miles Davis, John Coltrane, Cannonball Adderley, Bill Evans, Paul Chambers, Jimmy Cobb, nomes, nomes... O maior filme da história do cinema: A Mãe, 1926, do russo Pudovkin; o mais belo: A Terra, 1930, do também russo Dovjenko; a maior seqüência que já vi em cinema: as escadarias de Odessa do estupendo Encouraçado Potemkin, 1925, do também russo Eisenstein; as duas maiores atuações que conheço: ator, Marlon Brando em O Último Tango em Paris; atriz, Jane Fonda em A Noite dos Desesperados – ambos um impressionante feixe de nervos a exibir as vísceras; o filme que mais me interessa na história do cinema: Terra em Transe, de Glauber Rocha, o maior artista brasileiro do século XX. Há três pintores brasileiros por quem largo tudo para ver exposição, todos com prenomes iniciados em I: Iberê Camargo, Ivan Serpa e Ismael Néri; o pintor que mais me fascina: Cézanne. Sou Flamengo de vestir sagrada camisa rubro-negra e gritar gooooooooooooool mesmo quando a voz um fiapo. Fibro e vibro. Escritores, bem, bem, isto fica para uma outra vez, a certeza que já me alonguei muitíssimo e fustiguei tua paciência além da conta. Por ora, abraço e beijo carinhosos (sem ordem porque quando se trata de abraço e beijo o que importa é a desordem), e a talvez vã esperança da tua paciência.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O verão de 42 graus é matéria longe de sonho. Longe a voz de Jo Stafford e o bom gole que aquece. O suor quente de domingo vem pingando até a segunda. A carne inunda. Índio que, deslumbrado com as missangas da orquestra de Claude Thornhill, não pega atalho, acaba por confundir alho e bugalho. Mal fica de cócoras a aguardar o inevitável.

domingo, 17 de janeiro de 2010

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

OVOS COM PURÊ

Ovos. Sempre plural. Não há receita que diga simplesmente um ovo, “pegue um ovo e...”, não há. Ovo é sempre no plural, “pegue os ovos e agora...”. Então, faça isto, pegue – com cuidado, mas não com tanto cuidado que subtraia o prazer de pegar, entende? uma receita deve sempre deixar margem a improvisações e a idiossincrasias – pegue os ovos, ei, mas não é para ficar só pegando, é preciso fazer alguma coisa com eles, então saia da cama e vá para a cozinha, evidente: leve com você os ovos. Na cozinha, certifique-se se tem batatas. Tem, claro: você é uma vencedora. Sem soltar os ovos, descasque as batatas. Existe uma máquina que faz isso num piscar de olhos. Não tem aí? Sem problema, pegue-a com a vizinha. A vizinha não pode emprestar pq ela tbm está segurando os ovos? Não se desespere. Coloque as batatas para assar. Assadas, a pele sai facilmente. Não a sua, claro, a das batatas; a sua é uma outra receita. Ainda com os ovos na mão? Ótimo, não é? Agora amasse as batatas. Como? Com quê? Qualquer coisa serve, e na ausência de qualquer coisa sente-se sobre elas. Amasse-as bem. Ahm? Pode sim, bem pode ser tanto substantivo quanto advérbio. Está difícil chegar ao ponto do purê? Chame, então, uma amiga. Não, não importa que amiga, desde que seja da sua comunidade no orkut. Não deixe ela pegar os seus ovos, peça-lhe para trazer os dela. Ria muito com ela, faça piadas, quanto mais grossas as piadas melhor sairá o purê. Deixe o telefone tocar, há coisas mais interessantes na vida do que atender telefone. Ah, claro, pode ser o dono dos ovos – mas repara: há alguma coisa mais excitante que deixar de atender o dono dos ovos e rir disso e dele com a amiga? De mais a mais, o mercado é na esquina, ovos é o que não falta. Pense um pouco em você e, claro, sem largar os ovos.







segunda-feira, 4 de janeiro de 2010