quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

olá, olá!

O tempo, nós o matamos pelas beiradas exatamente como ele também vai fazendo conosco e eu não paro, nem o tempo, às vezes um fica sem o outro e eu tenho ultimamente ficado absolutamente sem ele, o tempo, este Deus que é um rio, que flui, nunca igual, sempre o mesmo. Ia te dizer dos escritores. Ia? Minha avidez pelos livros foi forjada por Monteiro Lobato, Érico Veríssimo e uma necessidade de arranjar algo diferente da turma adolescente. Hoje tenho certeza que os livros me livraram da delinquência. Turma de adolescente tende sempre à delinqüência. Minha vontade de ação foi se tornando reflexão e ganhei um súbito, inesperado senso de equilíbrio. Meu primeiro assombramento foi Dostoievski, Crime e Castigo, que li com catorze anos e me puxou o tapete; andei com este livro na cabeça dias e dias, refazendo febrilmente equações que me foram sugeridas e sosseguei, um pouco, ao achar que havia disposto as incógnitas de forma razoável, ao menos verossímil. Depois fui entrando no castelo das letras e ficando à vontade nos corredores, labirintos. Três franceses de outro século me encheram olhos, coração e imaginação: Flaubert, Balzac e Stendhal. Claro que neste momento descobri Machado, o bruxo mulato do Cosme Velho e decidi que ninguém escrevia melhor que ele. Machado de Assis é Deus, ou quase. Um mulatinho pobre do Rio de Janeiro, que vende doces na rua para ajudar o orçamento doméstico, que aprende latim ajudando a celebração de missa na Igreja de Lampedosa, que aprende francês ao comprar pão com a dona francesa da padaria em São Cristóvão e que ressuscita no sagrado 1881 contando póstumas memórias e elevando seu nome ao ponto máximo. (Todo 21 de junho, data de seu nascimento, eu, às vezes acompanhado, às vezes só, faço passeio cívico pisando ruas e adentrando igreja e casa machadianas). Há prazeres enormes: Scott Fitzgerald, Anthony Burgess, Joseph Conrad, Vladimir Nabokov. Hoje no Brasil ninguém escreve melhor que Dalton Trevisan (embora dele se possa dizer que tenha se tornado taquígrafo de si próprio). A década de vinte me enche as medidas, recuperando o fascínio que havia antes, o fascínio dos 3 franceses e do grande Machado: Marcel Proust, James Joyce, Italo Svevo, Hermann Hesse, Thomas Mann, D. H. Lawrence, William Faulkner, Franz Kafka, nomes, nomes, Aldous Huxley, que me parece o modelo de intelectual ocidental melhor realizado. Hoje na literatura americana ninguém me parece melhor que o canadense, recém falecido, Saul Bellow. Há Phillip Roth, ainda vivo, que talvez lhe ombreie. Na Europa, talvez Martin Amis, que abandonou Londres e hoje vive cá perto, Montevidéu. Em espanhol, o cubano exilado em London town e agora por certo no céu, Guillermo Cabrera Infante. E impossível deixar de lembrar dos gigantes portugueses Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco, e dos russos Tolstoi e Turgueniev. Nomes, nomes. Duas narrativas me fascinam pelo que têm de seminal: A Bíblia e Homero – ali está a cultura humana, a eternidade em que acredito, tenho a idade do homem, sou o sangue do Velho Testamento, sou Ulisses voltando para casa e para o seu cão. No século XVII, Shakespeare refaz Bíblia e Homero em uma obra a um tempo abundante e de síntese. Well, well, como se diz nas grandes cidades brasileiras, assim feito um soluço, por cá eu fico, o ofício me chama, (mo chama?); boto um ponto, mas não final. Há os poetas, claro. Tudo é movimento e continuação. Abraço carinhoso, beijo recatado, lambida lasciva, vai concedendo aí uns minutos de paciência. Vã? De toda forma, que o sono lhe seja leve.

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